terça-feira, março 12, 2013

Os nossos pobres

Na sala de estar do lar do idosos, estava sentada a ler uma senhora que teria seguramente os seus oitenta e cinco anos, se não mais. Lia um livro de título "África, um grande amor". Perguntei-lhe se tinha vivido em África, disse-me que não, que o livro lhe tinha sido oferecido por uma amiga. Uma senhora cheia de vida e aparentemente saudável.
De conversa em conversa, chegámos às instituições de apoio aos mais carenciados. Porque a senhora conhecia de outros tempos instituições que eu conheço agora, ligadas à Igreja Católica, mas agora "geridas" por assistentes sociais. (Não sei se "geridas" é o termo certo.)
A senhora disse-me que as "irmãs" e ela própria não gostavam muito de assistentes sociais. Era tudo muito rigoroso, muito organizado, "se faltava uma moeda na caixa já era um bico de obra"... Elas gostavam de ajudar conforme podiam. "Tínhamos os nossos pobres, que visitávamos e apoiávamos."
Esta expressão, "os nossos pobres" é que me pôs a pensar. "Os nossos pobres" como "os nossos bibelôs" ou assim... Como se as famílias carenciadas fossem uma espécie de brinquedos das freiras, que podiam a seu bel prazer cuidar, talvez fazer penteados, vestir, lavar, dar vacinas nas pernas, como eu fazia em menina às minhas bonecas - tive duas, em toda a minha infância, que mas trouxeram uns familiares. Os meus pais não eram muito de dar brinquedos, suponho também que não podiam. - Espetava as bonecas nas nádegas, nas ancas e nos braços, com bicos de caneta. Ainda hoje lá estão, todas furadas. Um delas está também maquilhada com uma sombra azul escura de caneta de feltro. Há quarenta anos e não há desmaquilhante que lhe valha.
"Os nossos pobres" lembrou-me isso, pessoas brinquedos, pessoas coisas, que alimentavam a sede de brincar aos bons das "irmãzinhas".
Eu ainda disse à senhora que à partida queremos que os nossos impostos sirvam para dar dignidade humana  a quem nada tem, ou pouco. E que era isso que faziam os assistentes sociais, ajudar a erguer-se quem, por falta de condições financeiras ou outras, não conseguia erguer-se por si. Mas a velhota que não, que os impostos são só para engordar os bolsos dos políticos (terá alguma razão, infelizmente).  Mas via-se que aquela senhora, sentada na sua poltrona, tinha saudades dos seus pobrezinhos.

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E quando és tu a errar (muito)?

Tenho passado um longo período a descrer dos outros, a proteger-me de quem me faz mal, ou me quer mal, e ontem descobri que tenho sido muito...