Ela parecia um cão vadio em versão humana. Velhinha. Pequenina. Com uns chinelos horrorosos e os pés gelados (toda ela gelada), os pés calejados como nunca vi. Estava em frente à estação do Oriente (Lisboa), virada para o lado do Centro Comercial Vasco da Gama. Tinha um qualquer problema de dicção. Pedia um moeda. Olhos infinitamente tristes. "Venha comigo tomar o pequeno almoço ao café"- disse-lhe eu. "Fica mais reconfortada e escusa de estar aqui ao frio." E ela veio, pequenina, quase debaixo do meu braço. As meninas do café ofereceram-lhe uma fatia de bolo, e acabámos por lhe embrulhar o queque que eu lhe tinha pago para acompanhar a meia de leite quentinha. Chorava de mansinho. Enxuguei-lhe as lágrimas. Fomos ao Continente ver as promoções, comprar-lhe umas botas quentinhas, umas peúgas e um casaco impermeável. Escolhido a dedo, do mais barato, mas que a aquecesse. Ainda lhe dei um cachecol de malha que tinha na minha mala de viagem. Sabe-se lá porque é que o pus lá, porque tinha roupa mais que suficiente para me agasalhar. Na fila do supermercado, para pagar, veio uma senhora dizer que fazia questão de me dar cinco euros para ajudar na despesa. Aceitei, claro, e agradeci.
Já disse onde ela estava. Se a virem por lá, nos próximos dias, tratem-na bem, dêem-lhe qualquer coisa que não vos faça falta. Ou que faça um bocadinho. É bom partilhar as faltas. E eu já sei onde vou poupar os pouco mais de vinte euros que gastei com ela.
Porque ninguém devia chegar a velho assim. Como um cão abandonado, com o olhar dos cães abandonados. De livre vontade houve pessoas comuns que me ajudaram a ajudá-la e é isso que me dá esperança. E agora já sei porque os carros dos senhores políticos importantes têm que ter vidros fumados e andar depressa. Eles são sensíveis e não podem ver a miséria.
domingo, outubro 28, 2012
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4 comentários:
Minha querida Dulce,
que Deus te protega e te abençoe SEMPRE!
E que esse teu coração lindo sinta um aconchego igual ao aconchego que deste a esta senhora.
Bem hajas!
Grande coração, uma pena existirem situações destas, ninguém merece ter uma velhice assim...
Obrigada, Dulce, senti o teu abraço.
Quando questionam que Deus não se vê, onde está Ele... Ele existe nestes atos, atitudes, emoções e sentimentos. És linda, és Dulce.
Ainda há esperança, sim, enquanto houver pessoas como tu. Bem hajas, Dulce!
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