terça-feira, setembro 12, 2006

O prometido é de vidro

Cá vai então a história da casa do avesso, produto de algumas horas a imaginar e a escrever no quadro, e a retocar pormenores. Com meninos do quinto ano, saliento. Aproveitando para falar de figuras de estilo e de outras coisas que me ocorriam. Tenho pena de não conseguir passar para aqui as ilustrações, da autoria da Luciana, no livro grosseiramente "manufacturado" :)).
Aí vai:

A casa do avesso
Numa cidade suja, fria, triste, onde as pessoas viviam tão tristes que pareciam também sujas e frias, havia uma casa que não era como as outras. Era uma casa cor de rosa, com varandas brancas. No meio da confusão da cidade, aparentemente não se distinguia das outras. Mas tinha as janelas sempre abertas, e se algum habitante da cidade suja olhasse para dentro, via o céu azul.
Os habitantes da cidade rapidamente passaram a notícia uns aos outros, porque não estavam habituados a ver o céu limpo sem os fumos das fábricas, e aquilo parecia-lhes magnífico.
Uma a uma, todas as pessoas tristes, tão tristes que pareciam sujas e frias, começaram a encaminhar-se para a casa cor de rosa, onde ficavam horas, deliciadas, a olhar o céu.
E um dia, um menino que, ao colo da mãe, espreitava pela janela, perguntou:
- Mãe, não podemos entrar?
A mãe olhou para ele, depois para os outros habitantes da cidade suja, que olharam uns para os outros. E um velhote de barbas brancas, compridas, rugas profundas, disse:
- A criança tem razão. Devemos entrar.
Concordaram todos. e devagarinho, silenciosamente, foram entrando na casa cor de rosa, com a sensação de que pisavam um chão sagrado e não podiam fazer barulho.
- Oh! - disse o menino.
- Oh! - disse o velho.
- Oh! - disseram todos os habitantes da cidade.
E depois calaram-se, porque o que havia dentro da casa era tão espantoso que ninguém encontrava as palavras certas.
Por uma extensão enorme, que ninguém soube como é que tanto espaço cabia dentro da casa, as pessoas foram descobrindo florestas, regatos, flores de mil cores e animais de todas as espécies nos seus habitats naturais. Havia papagaios, iguanas, muitas espécies de animais aquáticos, aves raríssimas, e ainda os mansos coelhos, as raposas matreiras, os lobos, etc. Todos os animais viviam felizes e por isso não se perseguiam.
O menino que se tinha lembrado de entrar na casa, aproximou-se de um lobo e perguntou-lhe:
- Levas-me às cavalitas até aquele lago cheio de nenúfares lá ao fundo?
- Claro - disse o lobo.
Puxou o menino pela camisola, o menino sentou-se, agarrou-se ao pescoço do lobo, e os dois partiram felizes, para ver os nenúfares e descansar junto às águas límpidas.
Chegado ao lago dos nenúfares, o menino debruçou-se sobre as águas. Lá em baixo era um mundo novo, cheio de peixes de todas as espécies e cores.
O lobo olhou a criança com olhos cheios de ternura e começou a ensinar-lhe coisas diferentes da cidade suja.
- Sabes, o mundo não é igual a esta cidade. O mundo tem sítios bonitos, limpos, cuidados, e nesses sítios é agradável viver. Há longos anos, um homem que vivia numa pequena montanha verde e fresca, veio visitar esta cidade. Achou-a triste e suja como ainda hoje é. O homem da montanha tinha um coração bom. Pensou que quem aqui vivesse andaria sempre triste. Primeiro sentou-se junto dum prédio sujo, e chorou por causa da sua tristeza e por causa da tristeza dos habitantes da cidade. Depois, cansado de chorar, resolveu: "Tenho de fazer alguma coisa!" Voltou para a sua montanha e começou um trabalho difícil, mas que fazia com tanto amor que chegava a parecer-lhe fácil. Todos os dias tirava da sua montanha um veiozinho de água, uma planta pequenina, uma semente ou um animalzinho novo. Todos os dias percorria o caminho até à cidade e depositava os seus presentes nesta casa. Nesse tempo, esta era apenas uma casa velha e abandonada. Mas a natureza tem o poder de crescer, de se tornar cada dia mais bela... Passaram muitos anos, e ninguém reparava na oferta do homeme da montanha. Até que tu pediste para entrar... Agora gostaríamos muito - falo também pelos peixes, pelas aves, pelas águas... - que as pessoas da cidade viessem viver connosco dentro da casa do avesso. Com uma condição: que o mínimo raminho verde, a mais pequena gota de água, a mais frágil avezinha, sejam aqui respeitados para sempre.

3 comentários:

Xuinha Foguetão disse...

Dulce,

gostei muito!
Mesmo muito!

O livro mesmo grosseiramente manufacturado deve ser uma prenda.

Uma beijoca

tikka masala disse...

Parabéns a todos os que construíram este belo texto. Eu estou pronta para o ilustrar (só por ser para ti :), quando quiseres publicá-lo!

Dulce disse...

Obrigada, Tikka.
Mas tu achas que posso publicar um texto com 20 autores, alguns dos quais já nem o nome sei?

(Mas a sugestão que tu me deste há tempos é boa... Vou dedicar-me a escrever umas historinhas simples para meninos e meninas... e tu ilustras. Beijinhos. Muitos)

E quando és tu a errar (muito)?

Tenho passado um longo período a descrer dos outros, a proteger-me de quem me faz mal, ou me quer mal, e ontem descobri que tenho sido muito...